sábado, 8 de setembro de 2012

Trancos e barrancos em Piquete

Olá amigos, a VIII Etapa da Copa Paulista de Corridas de Montanha ocorreu no último sábado (25/08/12), na cidade de Piquete/SP (cerca de 200Km da cidade de São Paulo), localizada na região da Serra da Mantiqueira. O local escolhido para a concentração do evento foi a Fazenda Santa Lídia, com um grande espaço para acomodar os organizadores e atletas. O destaque da prova foi o horário da largada, prevista para ocorrer as 19h00min. Situação inusitada, pois trata-se da única etapa da Copa Paulista em que o evento ocorre integralmente no período noturno. Com esse cenário, muitos se perguntam: qual a melhor estratégia para correr uma prova de montanha à noite?
Excelente opção para correr a noite
Primeiramente, o atleta precisa providenciar alguns objetos indispensáveis para esse tipo de prova, dentre eles indico a utilização de, no mínimo duas lanternas, sendo uma para ser utilizada acoplada à cabeça e outra de mão (ou reserva, dependendo do caso). Isso porque se confiarmos singularmente no objeto, o mesmo pode parar de funcionar e causar um tremendo problema durante a prova. Outro item que considero essencial são as luvas, pois em determinados momentos, é necessário utilizar as mãos e num descuido, podemos agarrar alguma vegetação cortante ou cerca enferrujada. Isso para não falar nas quedas, as luvas acabam agindo como uma forma de amortecimento, caso viermos a tropeçar e, inevitavelmente, estatelarmos ao solo. Quanto à opção de roupa, isso é um critério particular de cada um, pois a medida que o tempo vai passando, se o atleta estiver correndo num ritmo acelerado, a tendência será o incômodo pelo excesso de peças no corpo.
Kit
O meu deslocamento até Piquete foi por intermédio do Jorge de Jesus (categoria 45-49 anos), que conseguiu carona com o Eder Galhardo (categoria 30-34 anos) e sua namorada, que levou consigo no colo o “Halley” (cãozinho recém-nascido, mas que fica do tamanho de um “dinossauro” depois de alguns meses – risos). Desse modo, nós cinco, seguimos para Piquete por volta das 16h00min. Conforme previsto, chegamos à Fazenda Santa Lídia por volta das 18h00min, ou seja, já com a ausência de luz natural. O céu estava estrelado, seria sem dúvidas, uma noite muito agradável para o desafio que estava por vir. Fugindo a regra das etapas anteriores, a organização não disponibilizou a retirada do kit na sexta-feira, devendo todos os atletas, sem exceção, efetuar o procedimento no dia do evento. O kit continha uma camiseta, um número de peito, um chip de cronometragem retornável, uma canequinha de hidratação, além de bananinha (me fez lembrar Paraibuna), revista Outside, uma amostra de achocolatado em pó Suisse, granola e propagandas dos patrocinadores e parceiros.
Objetivo
Até aquele momento, correr em Piquete era um ponto de interrogação no escuro (literalmente) para mim, eu não tinha referência alguma a respeito da prova, ainda mais pelo fato de todo ano os organizadores alterarem o percurso. Optei por correr com um calção de compressão (térmico), usei a camiseta correspondente à etapa, um porta garrafa dorsal acoplado à cintura com isotônico e a indispensável lanterna de cabeça. A segunda lanterna, que também era de cabeça, consegui fazer uma adaptação e amarrá-la na cintura, de forma que as minhas mãos ficassem livres. Quantos as luvas, cometi o deslize de esquecê-las em São Paulo, o jeito foi correr sem elas. A poucos minutos do início da prova, o locutor cedeu a palavra ao Fábio Galvão Borges (idealizador do evento) que transmitiu as últimas informações aos atletas. Uma dessas informações foi referente ao percurso, cuja distância longa chegaria próximo aos 13Km. Vale lembrar também da disputa na distância curta, com pouco mais de seis quilômetros.
Jorge, o "Halley" e o Eder
A largada ocorreu simultaneamente para as duas modalidades (curto e longo), com os atletas saindo em disparada em direção à estrada que dá acesso a fazenda. Para evitar congestionamentos em trilhas ou trechos com fluxo lento, resolvi acelerar no início, para tentar obter alguma vantagem no final. Uma estratégia muito infeliz de minha parte! Antes de completar o primeiro quilômetro, da estrada fomos desviados para um trecho de trilha que, na verdade, revelou-se um morro ou, em termos radicais, uma verdadeira montanha absurdamente verticalizada. Aquilo foi um martírio, pois fatigava até para caminhar, por um longo período, seguiu-se uma fila indiana de “vaga-lumes” pelo silêncio reinante naquela escarpada e penosa montanha. Outro agravante foi que seguimos em paralelo a uma cerca de arame farpado enferrujado e com muito “tétano” à espera de alguém desequilibrar-se. Acredito que foram pelo menos uns vinte minutos subindo, subindo e subindo, sem qualquer perspectiva de finalização e chegada ao topo. Com muito ardor, consegui concluir aquele trecho inicial com a triste constatação de que havia passado apenas um quilômetro, mas com a sensação de ter corrido o triplo daquilo.
Últimas informações antes da largada
A partir daquele momento, foi um incansável sobe e desce, ora por trilhas abertas, ora por valas estreitas e com muitas dificuldades de visualização. O percurso estava todo demarcado por bandeiras amarradas em barbantes e luzes incandescentes (parecia pulseiras brilhantes utilizadas em baladas – risos), porém, a principal tarefa naquela escuridão era manter a concentração e atenção a tudo o que vinha pela frente. Por vezes a lanterna escorregava na cabeça, em quase todas as ocasiões devido aos tropeços e viradas bruscas, face algum obstáculo. Num certo momento quase que a minha prova foi parar nas estrelas (as mesmas daquela noite – risos), num momento de desequilíbrio, quase torci o pé, entretanto, tive a rara sorte de ter sido apenas uma pisada em falso, o que me manteve na prova. O quinto quilômetro se aproximava e até aquele instante havia ocorrido poucas ultrapassagens. Havia alguns staffs espalhados em determinados pontos, isso ajudou, pois servia de referência para algum atleta que estivesse com problemas.
Durante o percurso
Atingimos um momento em que os morros deram lugar a espaços abertos, porém, cheio de armadilhas, numa delas, me fez lembrar o desenho do Pica-Pau, em que o Zeca Urubu arma um fundo falso e o cobre com grama, tal situação aconteceu comigo ao pisar naquela grama falsa e levar um baita tombo (nada mais era que uma cratera entranhada naquela escuridão). Aquilo não me retardou, pelo contrário, o fato me motivou a levantar e seguir adiante mais motivado, isso vale para a vida (se cair, levante e siga em frente). A metade da prova havia sido duramente vencida, como se tratava de um percurso misto, preferi não comemorar e sim manter o foco em cada trecho iluminado pela lanterna (que por sinal apresentava resultados excelentes de iluminação). As descidas eram outro problema a ser administrado, pois era arriscado correr forte, por outro lado, era o melhor momento de distanciar-se dos demais atletas que estavam no encalço. Joguei às favas qualquer remorso e corri como nunca, sem pensar nas consequências, felizmente, não me causou nenhuma avaria na musculatura.
Ao término
Depois disso, já perto do sétimo quilômetro, vieram os pequenos trechos com água corrente e um brejo “básico”, apenas para não levarmos o tênis limpo para casa – risos. Essas travessias (exagero de minha parte, apenas pequenas passagens com água corrente), tinham profundidades diversas, por isso, não era possível estabelecer uma relação entre elas, mais um problema em meio a tantos que os atletas passavam naquela carência de visualização. Acessamos a fazenda pelo caminho oposto à largada, havia um desvio no percurso, os atletas do curso seguiam pela direita para finalizar a prova, enquanto o percurso longo seguia pelo lado esquerdo em direção ao trecho percorrido na largada. A diferença foi a ausência do morro (o mesmo que arrebentou todos no início), seguimos pela estrada de terra batida até uma certa altura, ali avistamos nada menos que o Fábio Galvão, em meio a uma escuridão, iluminado apenas pelas lanternas da camionete, fotografando a galera que passava.
Com o troféu (Academia Bodytech)
Como aquela era a única estrada, calculei que o retorno seria por ela, novamente fui enganado! Num determinado ponto houve um desvio para um trecho de trilhas abertas, que mais parecia um campo minado, nisso eu acertei, pois pisei em falso em diversos momentos. No entanto, já perto do final, considerei aquilo como “relaxamento” de minha parte, percebi que o meu nível de concentração havia se esvaído por alguns minutos, tanto que dois corredores me ultrapassaram. O final da trilha deu acesso novamente a estrada de terra batida por onde havíamos passado momentos antes, foi aí que confrontei com várias luzes em minha direção: tornou-se uma via de duas mãos, tanto para aqueles que ainda iriam iniciar o trecho de trilha, quanto aqueles (meu caso) estavam próximos de finalizar a prova. Nesse momento avistei o Felipe Vizioli (o dono do cachorro chamado “Jimmy Cliff”, que estava em Paraibuna), correndo solitariamente metros a frente. No mesmo instante conferi a placa de “12Km”, o que significava que o final estava muito próximo, nisso o meu corpo respondeu a investida de velocidade que imprimi até a conclusão da prova.
Pódio
Finalizei os comprovados 12,6Km com o tempo de 1h22min10seg, posteriormente descobri que esse tempo permitiu a inédita conquista da 1ª colocação na categoria 18-29 anos, compensando todos os percalços enfrentados naquela noite. Independente do pódio, só o fato de ter vencido todos aqueles obstáculos, me deixou com um sorriso de “orelha a orelha” (risos). E o melhor disso, foi que terminei a prova sem nenhum arranhão, ao contrário de vários atletas que tiveram cortes, machucados e torções. Recebi mais um pedaço de medalha que, ao final da temporada, formará uma grande mandala, além de isotônico e frutas (abacaxi, banana e melancia) à vontade e todos eles cortados. Ganhei um vale “chocolate quente”, o que consumi prontamente. A premiação foi rápida e objetiva, sem demoras e em pouco tempo subi ao ponto mais alto do pódio para receber o meu troféu, além de um kit “Bananinha” (novamente recordei Paraibuna ou será que Piquete também é a terra das bananinhas? – risos), além das fotos protocolares.
Troféu e medalha
Posso resumir a prova numa palavra: RADICAL. Gostei muito do desafio de correr a noite em Piquete, ainda mais por ter sido a minha estreia na cidade. Aliás, guardarei a imagem de Piquete como uma cidade “noturna”, pois cheguei para a prova à noite e retornei a São Paulo com o cenário inalterado (risos). Hoje pela manhã (domingo), conversando com a minha amiga e corredora Roselaine Galício (45-49 anos), ela me disse que, ao fazer um passeio ciclístico por Piquete, classificou como “inacreditável” o morro inicial escalado pelos atletas na noite anterior. Parabenizo os organizadores por surpreender os atletas com aventuras e desafios que colocam à prova os nossos limites, medos e nos permite conhecer lugares que antes julgávamos inalcançáveis. Que o presente artigo sirva de motivação para aqueles que tem vontade de encarar desafios, pois o que presenciei em Piquete, foi um verdadeiro paredão, onde fiz várias reflexões sobre os desafios que enfrento no dia-a-dia e comparado ao que estava acontecendo em Piquete, foi possível minimizar algumas coisas que considerava como “difíceis” em minha vida urbana.
Roselaine mostra o morro que subimos na noite anterior (foto:Roselaine)
A IX Etapa da Copa Paulista de Corridas de Montanha será realizada na cidade de Atibaia/SP, no dia 30/09/12. Dessa vez, o grande desafio será subir, pelas trilhas, a famosa “Pedra Grande”. Então, não percam, pois emoções e desafios não faltarão, ainda mais porque foi em Atibaia a minha primeira corrida de montanha, em 2008. Até a próxima pessoal!

3 comentários:

  1. Daniel,

    Nunca fiz uma corrida de aventura, achei sua experiência show. A próxima oportunidade que surgir, vou participar.

    Muito bom!


    Abraço,


    Roberto

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  2. Parabéns!!! Muito bom o seu relato! :) em breve nos encontraremos em uma prova de montanha. abçs

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  3. Oi, Daniel! parabéns pela prova e pelo pódio! Não sei se correria em provas de montanha! SE no asfalto liso, onde nçao tem nada, eu já tropeço e caio, imagine numa prova destas! Rsrsrs.
    Estava vendo as fotos e acho que conheço o Jorge a quem vc se referiu nesta postagem. Há muito tempo, tinha uma equipe de Santo André que organizou uma provinha de confraternização em Juquitiba e eu fui participar. Acho que era no ano de 2006 ou 2007 mais ou menos. E ele participou, se não me engano. Ele é de Mogi das Cruzes? É militar?
    Até mais! mais uma vez, parabéns pela conquista!

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